Romance: Tentação da Serpente


Um olhar feminino sobre o Antigo Testamento.
Uma história de mulheres, para mulheres, de que os homens também gostam.

"Tentação da Serpente" é uma reedição de "O Romance da Bíblia", publicado em 2010.

18 novembro 2013

“Como podemos pedir ajuda se não entendemos a lei?” - Macau

Salários abaixo do índice mínimo de subsistência, horários sobrecarregados, ausência de folgas e férias, e até agressões e violações. Seis empregadas domésticas indonésias estiveram ontem na sede da Associação Novo Macau para falar das suas dificuldades laborais. Os seus depoimentos vão integrar o relatório sobre direitos humanos que a associação vai entregar à ONU.
Inês Santinhos Gonçalves

Um salário mínimo para as empregadas domésticas fixado por lei seria essencial, defende a Peduli. E a associação de defesa dos direitos dos trabalhadores indonésios não pede muito: 3500 patacas por mês para as trabalhadoras que vivem em casa dos patrões e 4200 para as que vivem fora. Hoje, dizem, o salário mais comum é de 2800 patacas mensais, mas as iniciantes recebem muitas vezes 2500.
O Governo está actualmente a preparar um diploma para definir o salário mínimo. A consulta pública, que terminou na sexta-feira, dava vários valores à escolha, sendo o mínimo 23 patacas por hora ou 4784 por mês, e o máximo possível 30 patacas por hora ou 6240 por mês.

Sete membros da Peduli – seis eram empregadas domésticas – estiveram ontem na sede da Associação Novo Macau (ANM), onde falaram das suas condições laborais e das dificuldades que enfrentam como trabalhadores migrantes. A ANM conta apresentar em meados de Dezembro o seu relatório sobre os direitos humanos em Macau à ONU – este ano, pela primeira vez, vai ter um capítulo dedicado aos direitos das minorias, que incluirá os trabalhadores migrantes e a comunidade LGBT (Lésbicas, Gays Bissexuais e Transexuais).

“A ONU pediu ao Governo de Macau para entregar um relatório até Março do próximo ano. A protecção dos trabalhadores migrantes foi pedida pela ONU mas ainda não recebemos informação do Governo sobre isso. Queremos receber relatos na primeira pessoa para podermos incorporar no relatório. Queremos proteger os trabalhadores migrantes de serem explorados”, explicou o presidente da ANM, Jason Chao.

Não é só a questão salarial que preocupa estas trabalhadoras. São também as agências de emprego que cobram cerca de sete mil patacas sem garantias de encontrarem um trabalho e ficam com os passaportes das clientes enquanto elas permanecerem no território. “Diferentes agências têm formas diferentes de levar dinheiro, mas todas levam. Não há agências que não levem dinheiro”, comentou George Young, um dos responsáveis da Peduli.

A regulamentação que obriga os trabalhadores a voltarem ao país de origem durante meio ano quando expira a validade do visto de trabalho é outro dos pontos que desagrada às empregadas domésticas, que só podem mudar de emprego quando o seu contrato chega ao fim.

As seis mulheres que ontem estiveram na sede da Novo Macau vivem todas em casa dos patrões, um trabalho que descrevem como ininterrupto. Muitas disseram não ter sequer uma folga por mês nem horas de descanso suficientes. “Às vezes vamos para a cama à meia-noite e acordamos às 6h”, conta uma. “Quando os patrões estão de férias e vão para cama tarde, também temos de ir”, acrescenta outra. O trabalho em dias de feriado é frequente.

O trabalho intenso torna a distância das famílias ainda maior. Muitos patrões, conta Young, proíbem as empregadas de usar o seu próprio computador em casa para não gastarem electricidade. “Não vou a casa há três anos”, diz uma das mulheres. Na associação há casos de quem não veja a família há sete anos.

A liberdade religiosa também fica comprometida: “O meu patrão permite-me rezar em casa, mas o anterior não. Alguns patrões não permitem que rezemos em casa e temos de o fazer na rua”. As queixas à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais ficam pendentes. “Pedem-me sempre provas. Como podemos provar? Como podemos pedir ajuda ao Governo se não entendemos a lei?”, lança Young. “O Governo não controla as agências. Não temos cópias dos contratos nem os passaportes”, acrescenta.

Além das questões laborais, há também casos de maus tratos. Entre este grupo de mulheres, os abusos nunca foram físicos, mas garantem que outros membros da associação já foram vítimas de situações “muito graves”. Uma empregada doméstica chegou mesmo a ser violada. “Elas têm medo. No nosso país a violação é um pecado, elas têm medo de falar disso. É preciso provar. Como podemos provar? Podemos ir ao consulado da Indonésia e eles arranjam um bilhete de volta a casa. É o que se pode fazer”, descreve George Young.

Doméstica mas não familiar

A segunda parte da sessão foi dedicada à comunidade LGBT, onde o diploma sobre a violência doméstica dominou o debate. Representantes da Rainbow Macau e da recém-criada Associação de Educação de Género de Macau falaram da importância de manter os casais do mesmo sexo sob a protecção do futuro diploma.

O problema, segundo lhes foi explicado pela Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça (DSAJ), é lexical. “Em Macau entendem que ‘doméstico’ se refere à família [e não a pessoas que coabitam] e a família é [entendida como sendo gerada] entre um homem e uma mulher”, aponta Jason Chao. A sugestão das três associações é que, à semelhança do que foi feito em Hong Kong e Taiwan, se evite o termo ‘família’, de modo a ser mais inclusivo.

Esta proposta foi apresentada ao director da DSAJ, André Cheong, na passada sexta-feira, que prometeu estudar o assunto, diz Chao. No entanto, o presidente da ANM salienta que, se acordo com o Instituto de Acção Social (IAS), foi a própria DSAJ que sugeriu remover a referência aos casais do mesmo sexo.

“Nos nossos encontros com o IAS, disseram-nos que a inclusão dos casais do mesmo sexo foi sugerida por assistentes sociais da linha da frente, por terem lidado com casos [de violência]. Se é assim, como podem não ajudar os LGBT?”, criticou Anthony Lam, presidente da Rainbow Macau.

“Não queremos uma lei específica para combater a descriminação. Queremos igualdade. Sem incluirmos os casais do mesmo sexo na legislação sobre violência doméstica, não podemos falar de igualdade”, rematou Jason Chao.

Ponto Final - Macau, 18 de Novembro 2013

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