Romance: Tentação da Serpente


Um olhar feminino sobre o Antigo Testamento.
Uma história de mulheres, para mulheres, de que os homens também gostam.

"Tentação da Serpente" é uma reedição de "O Romance da Bíblia", publicado em 2010.

13 setembro 2014

A Jihad dos jovens sem ideais nem valores


A filha de 19 anos de um casal alentejano fugiu para a Síria no início do mês e casou-se com um guerrilheiro do Estado Islâmico, também ele português. Os pais só sabem dela através do Facebook. Na semana em que os jihadistas decapitaram mais um jornalistas norte-americano, o Expresso recupera um artigo publicado na edição de 30 de agosto do semanário.



Raquel Moleiro e Hugo Franco |
11:19 Quarta feira, 3 de setembro de 2014
A NOIVA PORTUGUESA DA JIHAD
Em Menbij, no nordeste da Síria, junto à fronteira com a Turquia, ninguém a conhece por Ângela. Ali chama-se Umm. O marido também não é Fábio. É Abdu. Ele cresceu na linha de Sintra, nos arredores de Lisboa. Ela na Holanda, para onde os pais alentejanos emigraram. Ele já está na Síria há mais de um ano. É jihadista, combatente nas fileiras do exército radical do Estado Islâmico (EI). Ela chegou lá este mês. Nunca se tinham visto, mas já estavam noivos há vários meses no Facebook. Através da rede social partilharam radicalismos e ambições de vida: são ambos muçulmanos convertidos, extremistas, defensores do califado islâmico, adversários do Ocidente e dos países "infiéis". E são ambos portugueses. 

Em três anos, a guerra síria atraiu cerca de 2800 combatentes estrangeiros. Nos últimos meses começaram a chegar as noivas da guerra santa. Em Al-Bab, a norte de Alepo, os rebeldes abriram em julho um posto onde se registam as mulheres solteiras e viúvas que querem casar com os mujahedin. A notícia foi avançada pela agência Reuters, mas Ângela, 19 anos, não precisou dessa informação. Como qualquer adolescente combinou tudo pela internet. Fugiu a 9 de agosto, casou a 10.

Nas fotos, Umm surge de niqab, um véu preto que lhe cobre o rosto, só deixando de fora os olhos escuros. No estado civil lê-se: casada. O pai não sabe bem o que pensar, o que dizer. Quando o Expresso falou com ele tinham passado poucas horas desde que a ex-mulher lhe contara da fuga, da Síria, do casamento. A internet estava agora a confirmar o que lhe parece "inacreditável, irreal".

Os pais de Ângela estão separados. O pai vive no Alentejo, onde nasceu. Ela morava com a mãe e a irmã mais nova nos arredores de Utrecht, na Holanda, para onde o casal tinha emigrado há largos anos. "No fim de semana em que fugiu a mãe tinha ido à Bélgica. Ela ficou em casa sozinha, o que era absolutamente normal. Ninguém suspeitou de nada. Porventura já estava tudo combinado há muito tempo. Já lá falou com a mãe pela internet a contar o que tinha feito. Que nojo. Nem sei com quem casou, não sei nada".

Fábio é um dos dez radicais islâmicos portugueses monitorizados por suspeita de atividade terrorista, e um dos mais ativos, na rede e na guerra. A família tem raízes em Benguela (Angola), mas ele nasceu e cresceu nos subúrbios de Lisboa, onde a mãe ainda vive. Apaixonado por futebol, emigrou para os arredores de Londres, converteu-se ao islamismo e desde outubro de 2013 que combate na Síria contra o regime de Bashar al-Assad.
 
A história de Ângela é contada pelo pai : "Tornou-se muçulmana radical há cerca de um ano, foi tudo extremamente rápido. Por isso é que fiquei surpreendido, não consigo entender". Nasceu na Holanda, numa família de tradição católica mas não praticante. (...) Era uma miúda liberal em todos os sentidos: fumava, gostava de se divertir, de beber uma cerveja ou duas ou três. Era sociável, não tinha nada a ver com burqas, com os fatos dessas loucas. De um momento para o outro começou com estas ideias".

Ângela estava desempregada. "Não quis estudar. A mãe tentou tudo, escolas especiais mas nunca chegou a bom porto. Ela só queria computador, computador, computador". No computador era Umm, fundadora e administradora do grupo Islão no Coração (assim mesmo em português - entretanto desativado), defensora acérrima da guerra santa na Síria e no Iraque e frequentadora de vários grupos radicais islâmicos holandeses e ingleses. Por tudo isto começou então a ser monitorizada pela secreta portuguesa. Identificava-se como alentejana, e foi assim que, em maio, o Expresso a descobriu na rede e falou com ela. 

"Os jihadistas estão na Síria e no Iraque para que o regime não mate todo um povo. A Jihad é uma coisa boa, não é má como dizem na televisão", justificou por telefone.
A decisão (de fugir e casar na Síria) foi comunicada já em solo sírio, num cibercafé. "Alhamdoulilah, cheguei em segurança ao Sham [grande Síria]. Irmãs, não hesitem. Sinto-me tão bem, como se tivesse sempre vivido aqui, sinto-me em casa. Insha'Allah, Alá irá reunir-nos a todos em breve!".

O pai leu todos os posts das páginas de Ângela e de Fábio à procura de informações e explicações. Em nenhum lado se lê como a filha chegou ali, mas a pausa declarada por Abdu no início do mês - "há 30 dias sob disfarce, a frente de guerra espera por mim" - poderá indicar que o jihadista português foi buscar a noiva algures no caminho que a levou da Holanda à Turquia e depois à Síria.

Ângela e Fábio moram numa zona residencial, juntamente com vários casais ocidentais, da Holanda, Inglaterra e Alemanha. "Todos aqui vivem sob o estado islâmico, sob as regras do Alcorão e da Sunnah", escreve Umm. As mulheres têm de usar o niqab e só saem de casa com a permissão do marido. "É para nossa segurança. Os homens sabem a que horas os aviões vêm e quando podem cair bombas. Nesses dias é melhor ficar em casa", explica a uma amiga que vive na Holanda e que lhe pergunta sobre as restrições impostas às mulheres.
"Os media criam a ideia de que se vive no meio de uma guerra, mas não é tão inseguro como dizem. É verdade que às vezes cai uma bomba, mas não se sente medo. E se a bomba tiver escrito o nosso nome, tornamo-nos mártires, Insha'Allah". 

O pai de Ângela recorda as últimas conversas com a filha, diálogos meio crispados, opostos. "Às vezes ficava mesmo revoltado. Sabendo o que se está a passar na Síria, o genocídio praticado por esses radicais que querem acabar com os cristãos, os vídeos que vi no YouTube a matarem pessoas, a queimá-las vivas, e ela a defender tudo, a justificar". 

O radicalismo de Umm mantém-se. No dia 22, publicou nas redes sociais a fotografia tirada antes da decapitação do repórter James Foley, e escreveu: "Para aqueles que dizem que era um jornalista, supostamente inofensivo, ele não era mais do que um soldado americano que mata o nosso povo. Quantas pessoas foram mortas por este tipo de palavras? São mortes inúteis? Uma morte americana fica muitos milhares atrás de quanto eles nos têm matado". Noutro post comenta os placards publicitários, que ali enaltecem a luta do Estado Islâmico: "Quem vai ganhar? Os nossos outdoors ou aquelas mulheres seminuas a vender desodorizantes?"

Quatro portugueses no EI

Ângela comenta a Jihad nas redes sociais, Fábio vai para a frente de combate. Fonte ligada aos serviços de informação portugueses coloca-o na brigada Kataub al Muhajireen do EI, constituída apenas por combatentes de países ocidentais, como a Grã-Bretanha, Alemanha, França ou Dinamarca. Ao seu lado há pelo menos mais três portugueses: dois irmãos, de 26 e 30 anos, que como Fábio, cresceram na linha de Sintra; e um jovem de Quarteira, de 28 anos. São amigos no Facebook e irmãos de armas na frente de guerra. Os quatro converteram-se ao islamismo quando estavam emigrados nos arredores de Londres e daí partiram para a Síria. O algarvio terá sido ferido com gravidade nas pernas há alguns meses e ainda não regressou ao combate. Os restantes mantêm-se ativos.

O Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) confirmou em abril ao Expresso que se encontram "referenciados alguns cidadãos nacionais que integram esses grupos de combatentes", sendo que alguns "detinham um estatuto de residência temporária em outros países europeus, embora apresentem conexões sociais e familiares ao território nacional". O recrutamento é feito "através da Internet" e de "estruturas logísticas formais e informais que atuam à escala regional e global", adiantou a secreta.

Na semana passada, os Estados Unidos consideraram que o Estado Islâmico representa uma ameaça terrorista "para lá" de qualquer outra conhecida até hoje, "junta ideologia, uma estratégia sofisticada, habilidade militar e tática e está tremendamente bem financiado. É preciso estar preparados para tudo". No Facebook, Ângela usa outras palavras para descrever a luta jihadista na Síria, mas o sentido é o mesmo: "Quando olhamos para o cano de uma arma vemos o paraíso, quando um avião sobrevoa as nossas casas estamos prontos para receber a bomba, quando um pai cai mártir o filho está pronto para substituí-lo. Faremos tudo para manter e expandir o nosso estado islâmico. Como se pode ganhar a um povo que não teme a morte?"